De acordo com o relatório Gestão da Água sob Risco e Incerteza, publicado pela ONU em 2012, “a água é um recurso natural crítico, do qual dependem todas as atividades econômicas e ecossistemas. Sua gestão requer arranjos de governança apropriados que permitam tirar a discussão das margens do governo e levá-la para o centro da sociedade”.
Segundo o Relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos, publicado pela ANA (Agência Nacional da Água) em 2013, entre 2006 e 2010, houve aumento de cerca de 29% da retirada total de água no País. O uso para irrigação foi o que mais cresceu: quase triplicou em algumas regiões, tornando esse tecnologia a principal responsável pelo uso da água no País, representando 72% do total consumido.
No entanto, os números mostram um aumento crescente no consumo da água, ocasionado pelo aumento da população, melhora de vida e maior consumo. As limitações na capacidade de gestão do sistema hídrico brasileiro pode ser constatada com a crise de abastecimento que castiga o maior centro econômico do País, a Região Metropolitana de São Paulo, comprometendo o fornecimento, as hidrovias e até mesmo a geração de energia. Outra questão vital para o desenvolvimento do país.
Sobre esses dois temas cruciais, o professor Pedro Roberto Jacobi, coordenador do Doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental da USP, faz um alerta nesta entrevista ao Centro Sebrae de Sustentabilidade para que tenhamos um outro olhar e passemos a adotar a corresponsabilidade no consumo.
Que avaliação o senhor faz do uso da água no Brasil, tanto por parte dos cidadãos, como pelas empresas, especialmente pelo fato do país ter uma grande disponibilidade desse bem?
Essa disponibilidade de água tem que ser relativizada, tem lugares com muita água como a Amazônica e outros não. Vemos o problema de São Paulo, por exemplo, que vive um momento crítico de abastecimento. O consumo de água em grandes quantidades está muito ligado à irrigação. O setor industrial avançou muito com relação ao reuso, que é um componente importante, mas que exige investimentos.
Quanto ao cidadão comum, é preciso ter consciência de que é possível consumir menos água. E é preciso abordar essa questão não só nos momentos de crise, mas trabalhar a corresponsabilidade do consumo de água. Por exemplo, a troca de bacias sanitárias por modelos mais econômicos é uma medida importante, mas as pessoas pensam em curtíssimo prazo e acreditam que é dispendioso instalar esses equipamentos. Aqui em São Paulo, nos prédios novos, essas bacias são instaladas, mas nos antigos é preciso fazer a substituição e nem sempre é fácil convencer os condôminos.
O único elemento de controle é a conta de água que deve ser tornar coercitiva. A pessoa paga, mas isso não quer dizer que ela vai ter mais e mais água para consumir.
Os medidores individuais também são importantes, mas sua implantação tem um custo. Nos novos imóveis em São Paulo, são obrigatórios, mas nos antigos fica mais difícil.
Sobre o consumo eficiente de água nos pequenos negócios, há uma diversidade enorme de segmentos, e não é possível uniformizar. Mas, o reuso e o aproveitamento da água de chuva são duas coisas importantes. No setor de alimentação, por exemplo, uma alternativa é concentrar a lavagem dos vasilhames e conversar com os funcionários para que adotem práticas mais econômicas. Todos esses são mecanismos que não podem ser pensados apenas nos momentos de crise.
E importante que uma instituição como o Sebrae trabalhe essa questão não de maneira curativa, mas sim de modo preventivo. Não se pode tratar o consumidor de água, cidadão ou empresas, como uma vítima, ele tem suas responsabilidades.
Que práticas podem ser adotadas pelos pequenos negócios para que façam uso racional da água?
Conservar com os funcionários e chamar a atenção para o uso racional da água é uma dessas práticas e não implica em nenhum tipo de investimento. Basta querer adotar uma nova postura. Para mim, o reuso da água é o ponto crucial, quando se pensa em uso eficiente de água.
Outro ponto-chave no desempenho das empresas é o consumo eficiente de energia elétrica. Como equacionar esse que é um dos pontos cruciais no desempenho e na competitividade das empresas?
Uma coisa importante é que as empresas de todos os tamanhos e segmentos façam a aquisição de lâmpadas mais econômicas. Em lugares quentes como Cuiabá, onde o uso de refrigeradores de ambiente é fundamental em algumas épocas do ano, optar por aparelhos mais econômicos também é uma boa medida. O termômetro de tudo isso é a conta de luz e a redução está ligada a duas equipamentos e consumo. O uso de iluminação natural é outra opção para reduzir o consumo de energia elétrica.
As empresas devem avaliar o quanto a energia elétrica pesa no seu orçamento e a partir daí, pensar até em investimentos em outras fontes de energia alternativas como solar e eólica. Esse é um processo bastante lento, mas que está evoluindo. Já tem havido leilões de energia eólica.
As grandes empresas adotam programas de eficiência energética com maior frequência. Como os pequenos negócios podem fazer o mesmo, sem que tenham que fazer grandes investimentos?
Tanto para água, quanto para a energia elétrica, é uma questão cultural. Muitas vezes se coloca a questão econômica antes de fazer um levantamento real dos resultados que o uso eficiente desses dois insumos.
O Sebrae tem o papel de difundir práticas sustentáveis de água e energia, de estimular a informação e possibilitar que a corresponsabilidade se torne algo mais comum. Trazer o máximo do repertório para que esses empresários possam perceber o quanto o uso eficiente de água e energia podem ser positivos para seus negócios.
(por Rita Comini, do Sebrae)
* Pedro Roberto Jacobi é Cientista Social e Economista pela USP, mestre em Planejamento Urbano pela Harvard University, doutor em Sociologia (USP). Atualmente, coordenador do Doutorado do Programa de Pós Graduação em Ciência Ambiental (PROCAM/IEE/USP).
Fonte: Envolverde, 05/06/2014