Wilson Tadeus Lopes da Silva e Édison Carlos*
O ano de 2014 começou, porém, um problema antigo e conhecido de todos ainda assola o país – o saneamento básico. Sua falta gera números alarmantes, muitas vezes negligenciados pelos gestores públicos. 88% das diarreias no mundo são causadas pelo saneamento inadequado, sendo que deste total, 84% são crianças, segundo a Organização Mundial de Saúde (2009).
No Brasil, até os indicadores de água tratada, os que mais progrediram nos últimos anos, estão em risco. De acordo com o Atlas da Agência Nacional de Águas (2011), 55% dos 5565 municípios do país podem sofrer desabastecimento nos próximos quatro anos, se não forem feitos investimentos na ordem de R$ 70 bilhões para ampliação e adequação dos sistemas de tratamento de água, uso de novos mananciais e tratamento de esgoto para evitar a contaminação dos mananciais já em uso. É urgente, portanto, a implementação dos recursos previstos no Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) e nos Planos Municipais de Saneamento Básico, nos quais as cidades devem se comprometer com o cumprimento de metas visando a universalização dos serviços.
Os números do saneamento básico no Brasil são preocupantes, pois 18% dos brasileiros sequer possuem acesso à água tratada e apenas 48 % da população brasileira têm coleta de esgoto. Significa que mais de 105 milhões de pessoas não são beneficiadas com este serviço. Mas são os indicadores de tratamento de esgoto que mais nos distanciam dos países desenvolvidos e até de alguns sul-americanos. Somente 37,5% do esgoto do país são tratados – a maior parte segue para a natureza sem tratamento.
O estudo “Esgotamento sanitário inadequado e impactos na saúde da população”, divulgado pelo Instituto Trata Brasil em fevereiro de 2013, apresentou a face mais cruel da falta de saneamento – quase 400 mil brasileiros internados por diarreias em 2011, com gastos do SUS de R$ 140 milhões, sendo crianças de 0 a 5 anos a grande parte atingida. A taxa média de internação por diarreias saltou de um valor médio de 14,6 casos/1000 habitantes nas 20 melhores cidades em cobertura para 363/1000 nas 10 piores cidades. Estudos conduzidos pela Embrapa mostram que para cada R$ 1,00 investido em um sistema simples de tratamento de esgoto, como a Fossa Séptica Biodigestora, retorna R$ 4,60 para a sociedade.
Se a área urbana sofre com a falta de saneamento básico, o que dizer do meio rural? Segundo o IBGE (Pnad, 2013), a área rural e comunidades tradicionais isoladas agrupam um contingente de mais de 29 milhões de brasileiros – mais que o dobro da cidade de São Paulo. Essa população, por estar em locais isolados e dispersos, tem dificuldade de acesso aos serviços básicos oferecidos pelo Estado. Conforme o órgão, somente 36% dos moradores da área rural têm acesso à água tratada e menos de 25% a sistemas de coleta de esgoto adequados, podendo este ser tratado ou não. Os moradores restantes, mais de 21 milhões, despejam o esgoto em fossas rudimentares, rios, valas, latrinas e até na bananeira no fundo do quintal. A coleta de lixo também não atende a imensa maioria das residências. Esta é a realidade da área rural brasileira, responsável por sustentar o superávit da balança comercial brasileira. Os índices de saneamento rural são piores que de alguns países muito pobres.
Tem-se a impressão que esta população não gera impactos do ponto de vista de saúde pública, já que estão separadas fisicamente e que seus resíduos isolados não causam impacto. Soluções inadequadas de saneamento acarretam uma série de problemas para as áreas rural e urbana, sendo que a falta dele gera contaminação das águas (superficiais e subterrâneas), tanto do ponto de vista químico quanto microbiológico. A água poluída é utilizada, por exemplo, para produção de alimentos na forma de irrigação, o que levará a doenças e, consequentemente, a sobrecarga nos sistemas de saúde pública.
O meio rural e as áreas de mata nativa são os grande captadores e reservatórios da água usada na área urbana. Quanto pior a qualidade maior os custos do tratamento. Segundo o Portal Brasil, o custo de tratamento da água do Rio Piracicaba é 12,7 vezes superior ao do Sistema Cantareira, cuja cobertura vegetal do manancial está mais bem preservada.
Se é tão importante, por que o saneamento básico rural não é considerado devidamente? Do ponto de vista do poder público, o tema se perde dentro de um turbilhão de demandas, principalmente porque boa parte dos gestores públicos municipais não percebe esta importância e, pior, não possui corpo técnico para alertá-los. Na outra ponta, os moradores de áreas isoladas, como foram criados e educados em um ambiente sem saneamento básico, também não notam a necessidade deste tipo de ação nas suas propriedades.
O problema não é tecnológico, já que existem soluções simples, eficientes e relativamente baratas para este fim. A Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), em parceria com os agricultores, apoiou a instalação de mais de 1.700 unidades da Fossa Séptica Biodigestora da Embrapa, com recursos da ordem de R$ 3 milhões. A Fundação BB já apoiou a instalação de mais de 3 mil unidades em todo o país.
O Plansab prevê investimentos estimados na ordem de R$ 508 bi para os próximos 20 anos. A área rural tem expectativa de receber R$ 24 bi em investimentos no período, mas para ter acesso aos recursos destinados ao saneamento básico, os municípios deveriam ter apresentado os seus respectivos planos até o final de 2013. O Instituto Trata Brasil estima que apenas 30% dos municípios entregaram seus planos em tempo. Se este número se confirmar, mais de 3.800 municípios brasileiros não terão recursos para investir, prolongando um problema crônico e que se arrasta desde sempre no Brasil. É urgente e necessária a entrega e implementação destes planos e que estes tratem não somente das questões urbanas, mas também do lado esquecido da área rural.
* Wilson Tadeus Lopes da Silva é Pesquisador da Embrapa Instrumentação e Édison Carlos é presidente-executivo do Instituto Trata Brasil
Fonte: Valor Econômico, publicado em 24/1/2013