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Saneamento básico, a vacina que o Brasil ainda não desenvolveu

Artigo publicado na edição de 21 de julho no jornal Correio Braziliense

Edson Carlos*

Em 1º e 2 de junho, num congresso sobre saneamento básico em Campo Grande (MS), o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária do Mato Grosso do Sul, Aroldo Ferreira Galvão, teve a felicidade de formular a frase: “O saneamento é a vacina mais eficaz para inúmeras doenças que afligem a população de nosso Estado”.

Peço licença a ele para reforçar que certamente nada seria tão profilático a todos os estados brasileiros e ao país do que garantir que todo cidadão tivesse acesso aos serviços mais essenciais – água tratada, coleta e tratamento dos esgotos. Tido mundialmente como um direito humano, a carência de saneamento básico mostra que o Brasil insiste em desrespeitar diretrizes da Organização das Nações Unidas das quais é signatário.

Em pleno século 21, o Brasil ainda detém indicadores vergonhosos: mais de 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água tratada, metade da população não possui coleta de esgotos e somente 40% dos esgotos gerados no país são tratados. Pelos cálculos do Instituto Trata Brasil, são mais de 5 mil piscinas olímpicas de esgotos jogados na natureza 24 horas por dia e 365 dias por ano. Isso explica o estado deplorável de nossos rios, em especial os rios urbanos.

A falta de saneamento básico também ampliou a crise hídrica vivida no Sudeste, uma vez que as águas dos rios não puderam ser usadas. Desde os anos 70, os investimentos em esgotos perdem “de lavada” para as obras de água, que politicamente são mais interessantes. Nossas autoridades e empresas esqueceram que “esgoto é água” e se preocuparam somente em buscar água nova para abastecer as cidades, cada vez mais longe, cada vez mais cara, cada vez mais escassa. O esgoto jogado sem tratamento por uma cidade é a água coletada para abastecer outra cidade… E assim por diante. Dados do Ministério das Cidades mostram que de 2007 a 2014 os indicadores de esgotos cresceram menos de 1 ponto percentual ao ano, o que projeta a universalização desse serviço para além de 2050. Uma vergonha.

O resultado desse descaso são os milhares de internações por diarreias, hepatite A, verminoses, esquistossomose, leptospirose e doenças de pele que assolam a todos, em especial as crianças pequenas. Aliada a essa tragédia nacional, a água poluída contribui com focos do mosquito Aedes aegypti e seus surtos de dengue, febre chicungunha e zika vírus. Recentemente, a Sociedade Brasileira de Medicina Tropical e o Instituto Trata Brasil publicaram posição conjunta alertando o novo governo federal para a necessidade de priorizar soluções para os milhares de obras de saneamento básico paralisadas e de apoiar os municípios para que rompam com a inércia nesses serviços essenciais à saúde pública.

E não podemos cair na armadilha de achar que a falta dos serviços atinge apenas a população mais pobre das áreas irregulares, pois os problemas estão nas favelas, mas também nos bairros nobres; nos estados mais pobres da Região Norte, mas também nos ricos do Sudeste e Sul. O estado de São Paulo trata pouco mais da metade dos esgotos gerados, o Rio de Janeiro possui grandes cidades que praticamente não tratam esgotos poluindo os rios e a Baía de Guanabara, Santa Catarina e Rio Grande do Sul coletam menos de 30% de seus esgotos.

*Edson Carlos é presidente do Instituto Trata Brasil