Ivanildo Hespanhol*
Dono de 12% das reservas de água doce do mundo, a questão da água não era um problema no Brasil até pouco tempo atrás, com exceção das regiões semiáridas. Não havia a preocupação em mapear o consumo de cada setor da economia. Também não existia o entendimento de que a água é um recurso finito, um bem econômico que precisa ser preservado para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos.
Nos últimos anos, os problemas de escassez devido à demanda crescente, associados ao custo da cobrança pelo uso das águas e à poluição dos mananciais, levaram ao desenvolvimento de métodos opcionais de gestão, como a adoção de sistemas conservacionistas e de reuso de água, práticas que vêm se disseminando na indústria. O processo permite efetuar a gestão da demanda, controlando perdas e desperdícios e reaproveitar efluentes domésticos e industriais, convenientemente tratados.
A fim de diminuir o impacto da cobrança nos custos de produção, que pode resultar em perda de competitividade, a indústria paulista tem feito grandes investimentos para reduzir a captação de água e a geração de efluentes.
A indústria química, por exemplo, conseguiu diminuir em 24% o consumo e em 55% a emissão de efluentes entre 2001 e 2007. Na Bacia do Paraíba do Sul, o reuso é praticado por cerca de 50% das grandes indústrias. Dos 32 milhões de metros cúbicos captados, 25%, ou pouco mais de 8 milhões de metros cúbicos, são reutilizados, principalmente pelo setor metalúrgico.
Para incentivar o setor industrial e outros usuários sujeitos à outorga a economizar água e reduzir a carga poluidora, a Agência Nacional de Águas (ANA) instituiu, em 1997, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, incluindo a captação de água e o lançamento de efluentes. Mas só nos últimos anos a lei foi implantada nos estados. Em São Paulo, onde a água de reuso equivale a aproximadamente 20% do consumo para fins não potáveis, a cobrança f66oi regulamentada em 2006. Ao dar uma dimensão econômica a esse recurso natural, que tende a ficar mais caro com a demanda crescente, o órgão regulador estimulou o uso racional e sustentável, inibindo o desperdício.
Além do fator econômico, as indústrias estão cada vez mais preocupadas em desenvolver novos conceitos ambientais tais como “eco-vantagem” e “eco-imagem”, cientes de que possam gerar retorno superior aos proporcionados por ações de propaganda e marketing. Diversas entidades de classe, como Fiesp, Fierj e Sinduscon-SP produziram manuais com orientação sobre conservação e reuso da água com o apoio do Centro Internacional de Referência em Reuso em Água (Cirra/IRCWR), ligado ao Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. A Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor) estimulou a discussão sobre o tema durante a Acquasur 2000, evento que apresentou temas sobre viabilidade socioeconômica e ambiental do reuso da água. A gestão ambiental na indústria se constituía em tema que atraia pouco interesse da maioria dos empresários nacionais, o que mudou substancialmente nos últimos anos.
O aproveitamento de águas pluviais e o reuso reduzem a demanda exercida sobre os mananciais devido à substituição da água potável fornecida por concessionárias por água coletada nas próprias empresas e pelo tratamento e reuso de seus próprios efluentes. Muitas vezes, a qualidade das águas do sistema público é superior à qualidade necessária, com possibilidade de ser substituída por uma de qualidade inferior a um custo menor.
A água poluída pode ser recuperada e reusada para diversos fins desde que tratada. O tipo de tratamento recomendado está diretamente vinculado ao uso e aos critérios de segurança adotados. Geralmente, a água de reuso passa por um tratamento biológico, físico-químico e desinfecção com cloro ou outro desinfetante tais como dióxido de cloro, ozona ou radiação ultravioleta. Nos reservatórios, é conveniente manter a presença de cloro residual na água. Além disso, em se tratando de água de chuva, é necessário fazer a filtração e desinfecção com cloro ou outro desinfetante tais como dióxido de cloro, ozona ou radiação ultravioleta. Usos que demandam água com qualidade elevada exigem sistemas de tratamento e de controle avançados. Entretanto, mesmo que sejam efetuados grandes investimentos em sistemas de tratamento e reuso, os períodos de retorno do capital são geralmente reduzidos, mantendo-se, normalmente, em menos de três anos.
Embora ainda incipiente no país, o reuso urbano é indicado para a rega de jardins, campos de futebol e golfe, lavagem de ruas, desentupimento de galerias de esgoto, compactação de terrenos, descarga sanitária em banheiros, água de “make up” em torres de resfriamento de sistemas de ar-condicionado, reserva de incêndio e sistemas decorativos. Na construção civil, a água de reuso pode ser utilizada para preparação e cura de concreto e para atingir a umidade ótima em trabalhos de compactação de solos. Na agricultura, um dos setores que mais consomem água, o reuso também apresenta um grande potencial de crescimento, mas no Brasil, está, ainda, muito pouco desenvolvido. Para fins agrícolas, o uso do esgoto tratado para irrigação gera economia para os agricultores, pois carrega matéria orgânica, nutrientes e macro nutrientes, dispensando, na maioria dos casos, a necessidade da utilização de fertilizantes sintéticos. Esgotos tratados têm sido, atualmente, utilizados para fins não potáveis, mas a prática mundial se encaminha, em futuro próximo, para fins potáveis, após o tratamento avançado de esgotos. Mas, qualquer que seja a forma de reuso empregada, é fundamental atentar para a preservação da saúde dos usuários, a preservação do meio ambiente, o atendimento consistente às exigências de qualidade conforme o uso pretendido e à proteção dos materiais e equipamentos utilizados.
Apesar dos avanços mais recentes, a prática de reaproveitamento da água no país ainda carece de uma legislação específica e realística, que oriente e defina os tipos de reuso, padrões e controle de qualidade, a fim de garantir a qualidade necessária para cada uso específico. preciso, portanto, vontade política e um arcabouço legal para promover e estimular o reuso no país como instrumento de gestão dos recursos hídricos. importante ainda que o governo ofereça algum tipo de subsídio às empresas que adotem a prática de reuso de água.
* Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Artigo publicado no jornal Diário do Comércio – Edição de 15/11/2013