Novo estudo do Instituto Trata Brasil aponta que as regiões com piores resultados são aquelas que apresentam piores condições de saneamento.
Em meio ao maior desafio de saúde pública do Brasil, provocado pela pandemia do novo coronavírus, ainda há outro desafio histórico a ser vencido e que leva pessoas aos hospitais diariamente: a falta de saneamento básico. Quase 35 milhões de pessoas vivem em locais sem acesso à água tratada, 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta de esgoto e somente 49% dos esgotos no país são tratados, conforme apontam os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 2019.
Se não bastassem os números ruins, mesmo um ano antes da Covid-19 começar no Brasil, a ausência de saneamento básico já sobrecarregava o sistema de saúde com 273.403 internações por doenças de veiculação hídrica (diarreicas, dengue, leptospirose, esquistossomose e malária). Foi um aumento de 30 mil hospitalizações comparativamente ao ano anterior. A incidência foi de 13,01 casos por 10 mil habitantes, gerando gastos ao país de R$ 108 milhões, segundo o DataSUS.
É nesse contexto que o Instituto Trata Brasil divulga um novo estudo: “Saneamento e doenças de veiculação hídrica – ano base 2019”. O estudo foi feito a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e o DATASUS, portal do Ministério da Saúde que acompanha os registros de internações, óbitos e outras ocorrências relacionadas à saúde da população do Brasil.
Essas internações por doenças causadas pela falta de saneamento se distribuem pelo território nacional, refletindo as condições sanitárias de cada região. Nota-se que a ausência dessa infraestrutura é mais evidente no Norte, onde somente 12% da população possui coleta de esgotos; na região foram 42,3 mil internações por doenças de veiculação hídrica. Em seguida, veio o Nordeste, onde somente 28% da população possui coleta de esgotos, e onde ocorreu o maior número de hospitalizações – 113,7 mil em 2019.
O Sul foi a terceira pior região, com 46,3% da população tendo acesso à coleta dos esgotos; 47% do esgoto gerado é tratado. Centro-Oeste tem 57,7% da população com coleta dos esgotos e 56,8% de tratamento do volume esgoto coletado. As duas regiões registram 27,7 mil internações cada. Já o Sudeste tem os melhores indicadores: 79,2% da população com coleta de esgotos, porém com apenas 55,5% do esgoto gerado sendo tratado e 61,7 mil internações. É importante notar que o Sudeste apresenta números de internação maiores que o Norte, porém possui sete vezes mais habitantes. Quando comparados os casos por 10 mil habitantes, forma mais correta, vê-se que os estados do Norte e Nordeste concentram os maiores problemas.
Internações por 10 mil habitantes
Levando em consideração a taxa de incidência de internações por doenças de veiculação hídrica por 10 mil habitantes, no Norte são 22,9 contra 19,9 do Nordeste, 17,2 do Centro-Oeste, 9,26 do Sul e 6,99 do Sudeste.
Em 2019, as mais de 273 mil hospitalizações decorrentes das internações por doenças de veiculação hídrica resultaram num custo de R$ 108 milhões. A região Nordeste apresenta a maior despesa com internações por doenças de veiculação hídrica: R$ 42,9 milhões – vale ressaltar que em números gerais, o Nordeste também registrou mais internações. Logo em seguida, o Sudeste apresenta R$ 27,8 milhões com gastos, contra R$ 15,2 milhões do Norte, R$ 11,7 milhões do Sul e R$ 10,2 milhões do Centro-Oeste.
Óbitos relacionados à falta de saneamento
Podemos dizer que, em 2019, a falta de acesso à água tratada e ao esgotamento sanitário resultaram em 2.734 óbitos, uma média de 7,4 mortes por dia de pessoas. No Nordeste, os óbitos ultrapassam mil casos, no Sudeste, 907 mortes registradas. O Norte registrou 214 casos.
Evolução do saneamento entre 2010 e 2019
De 2010 a 2019, o país registrou uma queda importante com relação às internações por doenças de veiculação hídrica. Elas passaram de 603,6 mil para 273,4 mil internações no período, no entanto, houve um acréscimo de quase 30 mil internações de 2018 para 2019. Isso mostra que, mesmo ainda distante do ideal, a expansão do saneamento trouxe ganhos à saúde, sobretudo com a expansão das áreas de cobertura com água tratada e coleta de esgoto ao longo dos anos.
Em 2010, por exemplo, 54,6% da população não tinha coleta dos esgotos, mas com o avanço, mesmo que tímido em nove anos, a população sem acesso foi reduzida a 45,9%. Sem dúvida, o avanço permitiu expressiva redução das doenças e óbitos por veiculação hídrica.
Em todo mundo, o início de 2020 foi marcado pelo aparecimento da pandemia da Covid-19; doença que até agora já fez mais de 4,3 milhões de mortes no mundo. No Brasil são quase 600 mil óbitos e desde março de 2020 os hospitais estão quase exclusivamente dedicados à COVID.
Com relação a relação entre saneamento e doenças em 2020, dados preliminares mostram que o país teve 174 mil internações por doenças de veiculação hídrica . Seria uma redução de 35% comparativamente a 2019, mas os dados precisam ser analisados com cuidado pelas instituições médicas, pois a queda pode estar relacionada ao afastamento das pessoas dos hospitais por medo de contaminação da Covid. Os óbitos em 2020 estão estimados em 1,9 mil, o que também seria uma redução entre 30 e 35% comparativamente ao ano anterior.
O estudo “Saneamento e doenças de veiculação hídrica – ano base 2019” mostra a relevância de se acelerar a agenda do saneamento básico com mais investimentos de forma a que mais pessoas recebam os serviços. Serão pessoas mais saudáveis, ao mesmo tempo em que o Brasil trabalha para cumprir as metas do ODS 6 – Água Potável e Saneamento, firmado pela ONU, de universalizar o acesso à água e os serviços de esgotamento sanitário, bem como as metas do novo Marco Legal do Saneamento, Lei 14.026 de 2020, que estipula o prazo até 2033 para 99% da população ter acesso à água tratada e 90% da população ter coleta dos esgotos.
“Os dados deixam claro que qualquer melhoria no acesso da população à água potável, coleta e tratamento dos esgotos traz grandes ganhos à saúde pública. Por outro lado, o não avanço faz perpetuar essas doenças e mortes de brasileiros por não contar com a infraestrutura mais elementar. São hospitalizações com ocupação de leitos que poderiam estar sendo destinados a doenças mais complexas. É essencial que o Brasil resolva definitivamente isso, pelo bem do país e seus cidadãos”, afirma o presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos.