Milton Rego*
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) acaba de aprovar um aumento de 54% no orçamento da Conta de Desenvolvimento Elétrico. A fatura será paga – adivinhem, só? –, pelos consumidores. Isso fere a competitividade da indústria.
O Brasil, abençoado por Deus e bonito por natureza, ganhou de presente rios caudalosos, biodiversidade farta e clima amigável. Durante décadas, o País investiu na autossuficiência hidroelétrica a fim de garantir o seu crescimento e ter energia limpa, segura e competitiva. Mas isso já não é suficiente.
O preço da energia é fundamental para determinados setores. Na média dos países e dos segmentos industriais, a energia conta pouco no cálculo da competitividade. Mas é de importância vital para as indústrias eletrointensivas, como a química (especialmente a indústria do cloro-álcalis), o papel, aço, alumínio, vidro, refino de petróleo e fertilizantes, para citar algumas.
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), os setores de grande intensidade energética representam no mundo inteiro cerca de 1/5 do valor agregado industrial, ¼ do emprego industrial e 70% da utilização de energia industrial. Energia deveria ser uma commodity, como o petróleo. Só que o seu preço varia (e muito) de país para país.
No Brasil, o preço é determinado pela fonte marginal necessária para atender a demanda mais encargos de toda a sorte. Uma penca de jabuticabas é pendurada nesse cálculo junto com a energia. São mais de 15 contribuições (1) que vão se acumulando e que representam quase o custo total da energia adquirida. Como estamos utilizando térmicas a carvão – as mais caras que existem – e como a conta de luz subsidia cada vez mais uma série de outros itens, temos uma das mais invejadas matrizes energéticas do planeta, mas hoje o custo da nossa energia supera largamente o dos nossos concorrentes. Ou seja, algo está muito errado.
O mundo não é assim…
Em 2020, a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) publicou o ranking abaixo comparando o custo da energia para a indústria no Brasil ao de outros países. O valor ficou em R$ 402/MWh, o que nos situou como o país com a sexta energia mais cara (a média mundial é de R$ 256/MWh). Em valores atuais é provável que tenha subido algumas posições…
Ao contrário do que acontece aqui, China, Rússia, vários países do Golfo e da Ásia, além dos Estados Unidos, oferecem energia a preços competitivos a fim de sustentar o crescimento do produto interno e das exportações. Óbvio que, para as empresas que produzem bens eletrointensivos, as variações de preço de energia afetam as decisões de investimento e a alocação de recursos.
Além disso, toda vez que deixamos de produzir bens eletrointensivos no Brasil e importamos de outros países, estamos aumentando a carbonização da Terra. O setor de energia do Brasil continua a ter uma das menores intensidades de carbono do mundo, mesmo com as loucuras das térmicas a carvão. Portanto, estimular a competitividade de produtos energo-intensivos no Brasil significa envidar esforços para conter a produção dos gases do efeito estufa (GEEs) e a mudança climática.
Isso me lembra a tirada sobre os países ricos, os países pobres, o Japão e a Argentina. Os ricos tinham tudo para dar certo e deram certo. Os pobres, tudo para dar errado e deram errado. O Japão tinha tudo para dar errado e deu certo. E a Argentina, tudo para dar certo e por alguma razão ainda não deu. Independentemente de quem tenha sido o autor de tal comparação – alguns atribuem-na a Raúl Prebish, outros ao prêmio Nobel de Economia, Paul Samuelson –, o fato é que, pelo menos no caso da energia, tínhamos tudo para dar certo e ainda não achamos uma solução.
(1) Só para citar alguns: CCC – conta de consumo de combustíveis (para cobrir custos de geração térmica e a compensação pela perda de arrecadação de ICMS sobre o diesel nas usinas); RGR – reserva global de reversão, que seria cobrado para cobrir os custos da reversão das concessões e nunca foi utilizado com essa finalidade; ESS- encargos de serviço de sistema para cobrir os custos de geração térmica; CDE – conta de desenvolvimento energético, para viabilizar o desenvolvimento de fontes alternativas e viabilizar políticas públicas e por aí vai…
*Milton Rego é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Álcalis, Cloro e Derivados (Abiclor)