Autor: David Uip*
Em 2009, quando foram confirmados no Brasil os primeiros casos de gripe A H1N1, houve natural alvoroço, dúvidas e preocupação por parte da sociedade, incluindo médicos e formadores de opinião.
À época, muito se especulou a respeito do comportamento do vírus e de sua letalidade, mas pouco a pouco, à luz dos fatos e das pesquisas ao longo da pandemia, ficou claro que ele não era mais agressivo do que outras cepas que causavam gripe, circulantes no país e no mundo.
Diante de um cenário de incertezas quanto ao A H1N1, e para quem me perguntava, eu costumava dizer que era necessário ter certa dose de preocupação, mas sem pânico, sem alarmismos desnecessários. Essa é a mesma cautela que devemos ter com relação ao vírus zika, transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, o Aedes aegypti.
É compreensível que o desconhecido gere temores. Os profissionais e gestores de saúde pública, contudo, não podem e não devem, de forma nenhuma, trabalhar com base em suposições ou hipóteses frágeis, mas sim à luz do rigor científico e das evidências, de modo a esclarecer e jamais confundir a população.
O Ministério da Saúde confirmou, com base em um caso ocorrido em Pernambuco, que há correlação entre a microcefalia (má-formação cerebral) em recém-nascidos e a infecção das grávidas pelo zika.
Desde então, mais de 2.000 casos suspeitos de microcefalia (circunferência da cabeça inferior a 32 cm) em bebês já foram notificados, especialmente no Nordeste. Sem um teste confirmatório disponível na rede pública, as ocorrências vêm sendo relacionadas diretamente à infecção por zika, mas ainda não sabemos o real tamanho do problema.
Também não é possível ter certeza da dimensão de casos do vírus zika no Brasil. Projeções como a do Ministério da Saúde, que oscilam entre 500 mil e 1,5 milhão de ocorrências, tomando como base apenas os casos descartados de dengue, necessitam ainda de maior precisão epidemiológica.
O Estado de São Paulo montou uma rede sentinela para tentar identificar a circulação do zika. No primeiro semestre foram identificados apenas dois casos autóctones (contraídos no próprio Estado), além de seis importados. Outros quatro estão em investigação.
Por meio da rede de laboratórios do Instituto Adolfo Lutz, a Secretaria de Estado da Saúde vem realizando testes de RT-PCR (Reação em Cadeia da Polimerase, com Transcriptase Reversa, em Tempo Real) em amostras que deram negativas para dengue, visando identificar o genoma do vírus zika. Esses exames são aplicados sobretudo em regiões em que há notificação de casos de microcefalia. Até o momento, nenhum teste deu positivo para zika neste segundo semestre.
Ainda assim, São Paulo aderiu ao protocolo do Ministério da Saúde para notificação de todo e qualquer caso suspeito de microcefalia relacionado ao zika.
Epidemias são combatidas com vacinas e medicamentos. No caso do zika, não há nenhuma das duas alternativas, muito embora o Instituto Butantan, que está prestes a iniciar a terceira fase de testes clínicos em humanos da primeira vacina brasileira contra a dengue, já esteja se preparando para elaborar um protocolo em busca de um imunizante contra zika.
Enquanto isso, especialistas da Fiocruz e do Adolfo Lutz trabalham para desenvolver e aprimorar o teste sorológico para detectar o novo vírus. A principal arma de que dispomos atualmente é reforçar o combate ao mosquito Aedes aegypti.
Por isso lançamos o Plano Estadual de Combate às Arboviroses, mobilizando 12 secretarias do governo paulista. O plano contará com a atuação de policiais militares, Defesa Civil e bombeiros no trabalho de extermínio dos focos do mosquito. A esse esforço se associarão também o Exército brasileiro e diversas lideranças comunitárias.
Mais uma vez, o apoio da população será fundamental, pois 80% dos focos do Aedes aegypti estão no interior das residências. É preciso redobrar forças para exterminar o mosquito. O cenário é preocupante, de fato. A hora é de agir, munido de informação de qualidade, mas sem pânico e alarmismo, que só atrapalham.
Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 22/12/2015.
*David Uip, 63, médico infectologista, é secretário da Saúde do Estado de São Paulo.