Autor: Newton de Lima*
A melhor lição a ser tirada do sétimo Fórum Mundial da Água, realizado recentemente na Coreia com representantes de 168 países, é que os recursos hídricos devem ser tratados de forma planejada, integrando todos os atores desse segmento. Além disso, uma gestão eficiente dos projetos, recursos financeiros públicos ou privados e o uso de tecnologia apropriada.
Embora a fórmula possa parecer óbvia, ninguém pode duvidar de que a ausência dessas providências nos empurrou para a crise hídrica que estamos vivendo.
Em setembro, o Conselho Mundial da Água, que reúne 70 países e é responsável pela organização dos fóruns a cada três anos, levará sugestão à ONU para que sejam incluídas a água e suas inter-relações com outros segmentos da economia nas novas “Metas de Desenvolvimento Sustentável”, que, a partir deste ano, substituirá o documento “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”. A ideia é difundir ainda mais o conceito de que a água é um pré-requisito para o desenvolvimento e elemento fundamental para a sobrevivência do ser humano no planeta.
Com todos os avanços já realizados nessa área, o caminho certo é ampliar o horizonte para a relação da água com a produção industrial, com o setor energético, com a agricultura. Em crise de abastecimento de água, a indústria reduz a produção, falta energia e os agricultores produzem menos alimentos.
Há uma crença segundo a qual muitas vezes as crises resultam em avanços. No caso da crise hídrica que estamos enfrentando isso parece verdade. Finalmente, estamos despertando para o fato de que não podem viver separados a água, o meio ambiente, o tratamento dos esgotos, a produção de alimentos, de energia e as indústrias.
Maltratando o meio ambiente recebemos como troco a possibilidade de seca dos nossos rios, como acontece agora com o fechamento da hidrovia Tietê-Paraná porque o nível das águas baixou, impossibilitando a navegação, o transporte de grãos e causando enorme prejuízo aos produtores de soja e milho da região. Esse é só um exemplo entre sem número de outros a provar que deveríamos ter muito mais cuidado com a água e o meio ambiente.
Os próximos três anos abrirão boa oportunidade para discussões com mais profundidade e a busca de soluções, pois o Fórum Mundial da Água de 2018 será realizado no Brasil. A escolha deve-se ao fato de que atrairemos mais facilmente os outros países da América do Sul – região que padece de problemas semelhantes aos nossos. No caso brasileiro, levantamentos feitos por entidades do setor dão conta de que quase metade da população não possui esgoto tratado e 40 milhões de brasileiros não têm água tratada em suas torneiras.
Nesse período, a seção Brasil do Conselho Mundial vai organizar encontros em diversos Estados e países vizinhos para conscientizar a população e os governos locais sobre a importância da água nas nossas vidas.
O curioso é que teoricamente todos sabemos disso, mas ainda assim o desperdício e o descuido são enormes e generalizados. Desde cedo aprendemos que somos um país detentor de 12% dos recursos hídricos do planeta, o que sempre resultou na despreocupação em relação ao tipo de consumo que é feito. Bem, só agora somos informados que o Brasil tem muita água onde não tem gente e pouca água onde a população é grande.
Para sermos considerados desenvolvidos, temos muito caminho pela frente, tanto nas cidades quanto no campo. E preservar o meio ambiente. As águas de um mesmo rio abastecem as cidades com suas indústrias e o consumo das pessoas e também servem para irrigar a terra que produz alimentos.
Voltando ao fórum na Coreia, muito se falou sobre as modernas tecnologias disponíveis nessa área e, diga-se, pouco utilizadas no Brasil, como o reuso da água e a dessalinização da água do mar.
Naturalmente esses são temas que deverão ser muito abordados nesse período de preparação do Fórum de 2018, junto com a necessidade de recursos, cuidados com o meio ambiente, as perdas das empresas operadoras e o desperdício no campo e nas cidades.
O reuso, por exemplo, implica mudança de cultura da maior parte da população, que ainda tem dificuldade em aceitar a ideia de que recuperar e transformar os efluentes domésticos ou industriais em água utilizável é uma prática existente há tempos em muitos países. No Brasil quase não se conhece isso. A maior experiência brasileira nessa área é uma empresa paulistana, Aquapolo, que transforma esgoto em água utilizável por um conjunto de indústrias e, com isso, libera para consumo humano a água potável que essas empresas utilizariam. De qualquer forma, nossas cidades ainda estão muito distante de experiências como a da israelense Tel Aviv, que recupera esgotos domésticos e até a água de banho de seus habitantes, utilizando essa água para irrigação no deserto.
São muitos os obstáculos à frente da universalização dos serviços de água e esgoto, do sonho de água limpa e esgoto tratado para todos os brasileiros. No caso da população, ainda existe muito preconceito e desinformação. Talvez um bom caminho seja a realização de campanhas mostrando as tecnologias existentes que o Brasil não utiliza, excetuando-se umas poucas iniciativas. É importante mostrar que a dessalinização é uma tecnologia possível, mas ainda pouco utilizada mesmo nos países ricos, por ser excessivamente cara. Mas ela existe e, seguramente, será utilizada mais amplamente no futuro.
Mas neste momento o reuso, ou reciclagem da água, com certeza é o melhor caminho para países sem grandes recursos financeiros para investimento, como todos da América do Sul, incluindo o Brasil.
Vale lembrar que o reuso da água é uma tecnologia pra lá de conhecida, pois existe no mundo há mais de 30 anos, além da vantagem de poder ser implementada imediatamente.
São muitos os países que utilizam há muito tempo essa tecnologia. Austrália, Inglaterra, Cingapura, o já citado Israel, Namíbia, são alguns deles. Mas o campeão dos investimentos nessa área é o Japão, onde suas indústrias só utilizam água de reuso. Há inclusive um sistema de encanamento duplo, um para água potável, para consumo humano, e outro para água de reuso. Uma lei determina que os prédios com área superior a 10 mil metros quadrados tenham sistema de reuso da água.
Entre nós, havendo vontade dos setores público e privado e olhando para esse horizonte tão amplo, é possível solucionar os principais pontos da deficiência brasileira e colocar ordem nessa (sem ofensa) desordem que vivemos nessa área.
Artigo publicado no jornal Valor Econômico, no dia 19/06/2015
*Newton de Lima Azevedo é governador brasileiro no Conselho Mundial da Água.