Mantido o atual ritmo de obras e de investimentos em saneamento, é pouco provável que a maioria dos 100 maiores municípios brasileiros alcance a meta de universalização dos serviços de água e esgotos até 2033 fixada no Plano Nacional de Saneamento Básico. O mais recente balanço do Instituto Trata Brasil das obras de água e esgotos em municípios com mais de 500 mil habitantes incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) mostra que mais da metade está em situação considerada inadequada: de um total de 337 obras, 20% estão paralisados, 17% estão atrasados e 15% nem foram iniciados. A pesquisa tem como base a situação observada no fim do ano passado.
Desta vez não se trata de falta de dinheiro. Recursos de R$ 21,08 bilhões foram reservados para essas obras, sendo R$ 5,44 bilhões (ou 25,8% do total) do Orçamento-Geral da União, R$ 12,14 bilhões (57,6%) de financiamento pela Caixa Econômica Federal (CEF) e R$ 3,5 bilhões (16,6%) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Do total, R$ 10,87 bilhões deveriam ser aplicados em 181 obras de esgoto incluídas no PAC 1 e no PAC 2 e R$ 10,21 bilhões em 102 obras de água dos dois programas de investimentos anunciados pelo governo federal.
O quadro das obras de saneamento do PAC é marcado por outras mazelas da administração pública em todos os níveis. Quando há dinheiro, faltam planos, competência ou qualificação administrativa e gerencial e um mínimo de articulação entre diferentes órgãos públicos.
Embora o Instituto Trata Brasil tenha concentrado seu levantamento nos maiores municípios brasileiros, por serem estes os que, em tese, dispõem das condições técnicas e da capacidade de gestão mais adequadas para fazer avançar os programas de saneamento básico, sua constatação é desalentadora. Os principais problemas detectados no levantamento são de natureza técnico-administrativa que, pelo porte desses municípios, suas administrações já deveriam ter superado há muito tempo.
Entre os mais recorrentes estão problemas nos projetos apresentados, muitos dos quais exigem revisão ou foram elaborados com muito atraso; e demora na liberação de terrenos e de alvarás pela própria prefeitura interessada. Problema recorrente em outras obras públicas, de todas as dimensões, a dificuldade na obtenção de licenças dos órgãos ambientais prejudica igualmente o programa de saneamento nos grandes municípios.
Se nem as administrações das maiores cidades estão conseguindo enfrentar a contento essas dificuldades, pode-se imaginar os problemas que enfrentam os municípios menores, boa parte dos quais não possui nem mesmo pessoal técnico qualificado para a elaboração dos projetos.
Houve avanços significativos nos últimos anos, reconhece o presidente executivo do Trata Brasil, Édison Carlos, mas persistem muitos gargalos, cuja eliminação depende dos três níveis de governo. O governo federal, diz Carlos, precisa reduzir a burocracia e o prazo para a análise dos projetos, os Estados precisam acelerar a concessão de licenciamento ambiental e assegurar o apoio das empresas de saneamento aos programas municipais e os próprios municípios precisam capacitar tecnicamente seu pessoal para elaborar projetos.
A situação do País nessa área, por isso, continua calamitosa. Mais de 100 milhões de brasileiros continuam sem serviço de coleta de esgoto por rede pública. Dos esgotos coletados, 38% são devolvidos ao meio ambiente sem nenhum tratamento. Enquanto problemas antigos – que os gestores públicos reconhecem, mas são incapazes de resolver – continuam a retardar a execução de programas essenciais, vai se deteriorando a qualidade de vida da população, sobretudo das regiões mais pobres, as mais carentes de saneamento básico. O resultado nessas regiões é o alto índice de doenças como diarreias, hepatite A, verminoses, esquistossomose e dermatites, entre outras. E as vítimas preferenciais são as crianças.
Fonte: O Estado de S.Paulo (Editorial)
24/09/2015